sábado, 28 de abril de 2012

9 To 5

Caros leitores... hoje, não tenho qualquer idéia do que escrever como texto para reflexão. Passemos, então, diretamente aos causos do transporte, visto que o dia inteiro de ontem merece ser reproduzido aqui. 


Causos do Transporte Coletivo:

Hoje, em vez de contar "causos" esparsos, contarei como é trabalhar numa sexta-feira no Terminal Cabral:

I

Sexta-feira, 27/04, Terminal do Cabral. Véspera de feriado, folga de 4 dias pro fiscalzinho (uma dupla e uma compensatória, além da sorte de não trabalhar no feriado); tudo o que há para ser feito é preencher uma lista com horários e se mandar, cumprindo 6 horas de jornada.

O para-lamas do final de semana costuma ser movimentado, mas, vá lá, coisas à toa.

Isso era o que ele pensava.

Mal acabou de sentar-se na cadeira da guarita, após 30 minutos de intenso (!) labor, é chamado pela CCO:

- O DB300, tabela 01 do Interbairros II Anti-Horário, vai trocar aí no Cabral às 12:38h. Você pode me avisar que carro vai entrar aí?

- Ok!

Chegou 12:38h, não vieram nem o carro, nem a troca... logo mais, 12:45h, eis que surge o temido DB300; o "motora" pára antes do ponto e começa a esvaziar o carro... cheguei nele:

- Vai trocar, né?
- Sim, mas só na garagem! Não tem ninguém pra trazer o carro até aqui, vamos pegar de lá mesmo e depois começamos em algum Terminal aí!

Foram começar só uns 40 minutos depois, no Term. do Capão Raso.

"Tudo bem, acontece...", pensou o fiscal. Não, era só o começo. Logo mais, às 13:20h, uma senhora saída sei lá de onde (traduzindo, do Colombo/CIC, sentido CIC) veio até a guarita e me abordou (e dessa história tenho uma testemunha, que certamente vai rir quando ler):

- Moço, eu vim no Colombo/CIC que acabou de sair daqui... viu, o motorista não fez nada, que eu vim com ele e ele veio dirigindo tudo certinho, fazendo as curvas certinho, não tenho queixa nenhuma dele; mas ali na Estrada da Ribeira tava ele e um caminhão, o caminhão não dava espaço pra ele passar mas o motorista não teve culpa, ficou esperando... aí o caminhão ficou tentando sair de onde ele tava, não conseguia, o ônibus também não (pegou um jornal que estava em cima da mesa, começou a representar com ele e a outra mão)... eles foram andando assim, um na frente do outro, até que o motorista conseguiu passar o caminhão...

Enquanto isso, ele preenchia o relatório do dia anterior e ia assentindo com a cabeça: - Ahan, sei...

...e ele ficou na frente do caminhão, assim (mostrou com o jornal e a mão), e não foi fechando, nada, foi normal, e assim foi... até que chegou aqui no Terminal (do Cabral), o motorista do caminhão era um negão... ah, mas eu não tou falando "negão" por preconceito né, meu marido era negão, falo por costume, enfim, você entende... ele chegou, abriu a janelinha e falou pro motorista que ia perseguir ele até o final da vida, mas ele nem fez nada, o coitado, o motorista era um piá jovem, bem afeiçoado (?), nem teve culpa... o negão falou pra ele que ia perseguir ele, e eu conheço esse negão, ele era amigo do meu finado marido [o outro negão], fazia parte do clube de motociclistas... e você sabe que esse pessoal do clube de motociclistas persegue mesmo né... então, eu só não espero o motorista voltar porque tenho uma consulta no dentista lá do Centro, mas na volta eu passo aqui e vejo o que aconteceu... você não tem como avisar alguém, ele, sei lá?...

Sei que a conversa foi assim durante uns belos 15 minutos, sem pé, nem cabeça, nem ar nos pulmões da "véia". No final, o fiscal se comprometeu a enviar uma mensagem a quem estava no posto (ou seja, ninguém, visto que só aparece fiscal lá depois das 15h por conta da escala) e tentar descobrir que motorista que era (nem o número do carro ela sabia). Ficou por isso mesmo, nem ela voltou mais tarde. Se voltou, nem foi vista.

Logo mais, o fiscal se apercebeu de que a linha Guaraituba/Cabral alimentadora estava uma zona. A tabela 01 estava atrasada; a 02 - 18R59 - também, fazia às 13:51h, chegou com a 03, às 14:05h. Suprimiu a viagem e ordenou que o motorista da 02 recomeçasse do Term. Guaraituba, às 14:25h . Mais tarde, passados 2/3 do expediente, viria a notar que a 01 atrasara 25 minutos, a 02 atrasara outros 10 de novo, e assim sequencial e infernalmente. Ficou do jeito que estava.

Após isso, as coisas até que se ajeitaram. A calmaria no Mare Atlanticum reinou durante exatos 55 minutos. Pouco antes disso, o fiscalzinho receberia, por rádio, de vários operadores, os atrasos de 3 ônibus para serem corrigidos. Isso seria normal...

...se não fosse o caso de chegarem dois deles ao mesmo tempo. Dizem que, após a tempestade, vem a  bonança, e após a bonança vem o ciclone extratropical: às 15:06h, o BN403, da linha Solar, resolveu não sair do lugar quando eu me posicionei pra receber os carros atrasados - quais sejam, HB601, Interbairros II Horário; e BB601 e BB600, Interbairros II Anti-Horário. Notou-se que o motorista tentou  - em vão - fazer o carro sair do lugar; o freio-de-mão "manequinho" não destravava o veículo. Logo, o fiscal palestrou brevemente com o motorista, determinou o recolhimento e pegou a ficha do ônibus na mão. Nisso, chegou o HB601, às 15:14h, com 15 minutos de atraso, junto do AB600, da tabela seguinte. O fiscalzinho falou com o motorista e pediu pra puxar o carro para frente pois já veria o que fazer. Logo, às 15:22h, chegou o BB601, atrasado em 22 minutos. Em menos de 20 minutos, o representante da Urbs tinha 3 fichas na mão e 3 problemas pra resolver ao mesmo tempo.

De alguma forma, já dizia Paulo Coelho, problemas devem ser resolvidos: o BN403 destravou, teve a viagem suprimida e retornaria 15:40h; o HB601 foi remanejado para o Term. Capão Raso às 16:09h; o BB601, mantido no Terminal Cabral até as 17:12h - já que a empresa não tinha veículos, nem operadores, para fazer a troca (e que fez o fiscalzinho se perguntar por meio de qual mágica que o BB604, por exemplo, entrou em operação, como extra, já no final da tarde).

Lá pelas 15:50h, chegou o CR109 com a inscrição Recolhe e vazio. Não estava na linha, iria substituir o CB699, tabela 10, Interbairros II Anti-Horário, às 15:47h, pois este apresentava problemas com as portas. Mantiveram, o motorista e o fiscalzinho, o seguinte colóquio:

- Então, qual é o pepino?
- Não, eu vinha trocar o 699 aqui, que ele tava com problema na porta, mas o trânsito tava difícil e eu acho que ele já passou, não consegui chegar aqui a tempo.
- Hum... putz, deixa eu ver... Ele tem horário às 16:09h no Capão da Imbuia. Você consegue alcançar ele lá?
- Não, pouco tempo.
- E às 16:39h no Term. Hauer? Você sabe chegar lá?
- Pior que não. Eu estava na garagem de plantão, apenas me mandaram trazer o carro pra troca, não sei chegar lá!

Depois de confabularmos, ele ligou para a garagem da empresa, que determinou que o carro fosse recolhido novamente.

Já o BB600 chegaria às 16:12h, sendo que fazia 15:48h - portanto, com apenas meia hora de atraso. Foi mantido no Term. Cabral até 18:07h também, de sorte que tudo parecia resolvido.

Eu disse... parecia.

Lá pelas 16:03h, uma senhora já bastante idosa adentra a guarita e começa a discursar, daquele jeito que os velhinhos fazem uso quando estão revoltados, mas não furiosos:

- Sabe quem tá andando nesses ônibus ultimamente? O "tebra"!
- Quem, senhora?
- O "tebra", Satanás! Porque eu tava no ônibus, tinha dois mais novos sentados, não quiseram me dar lugar... parecem que querem ver a gente sofrer mesmo! Deus me livre desses "tebra"!

Não tirou o fiscal os olhos do relatório, e assentia com a cabeça e dizia" sim, sei como é, complicado"... ficou a insana matriarca ali por uns 3 minutos e saiu da mesma forma que viera: falando nada com coisa alguma.

Daí para frente, o MB603, posterior ao BB601 cortado antes, atrasou 20 minutos. Ainda bem que o fiscal do "Garçom da Imbuia" decidiu cortá-lo. No final da tarde, os Interbairros dos dois sentidos começavam a atrasar, um passava na frente do outro, um começo de caos pairava no ar. O fiscalzinho ficou perdido com as tabelas, os horários, um horror! Perto das 17:00h, dois soldados da PM resolvem abordar um "carçudo" na pista de rolamento do Terminal, começou a travar tudo ali. Saíram depois de 10 minutos e o "malaco" foi liberado.

Depois, às 17:21h, o carro 18L51, Colombo/CIC, resolve travar no tubo sentido Colombo; a bolsa de ar tinha estourado e o ônibus parecia daqueles Golf tunados e rebaixados (mas não tipo o Atlético-PR), apenas não andava tão rápido quanto eles (conseguia se movimentar a 20km/h no máximo). Só que, como deixar um carro ali na pista lateral, onde ficam os tubos, no horário de pico? O inferno se aproximava. Os Inter 2, Sta. Cândida/Pinheirinho, Guaraituba/Cabral, Maracanã/Cabral e Colombo/CIC, também. Então, o supervisor (!) e o fiscalzinho pararam o trânsito e tiraram o ônibus pela canaleta... e teve gente que não gostou: uma mulher loira num Focus (acho) ficou reclamando, estava com pressa - provavelmente, para chegar em casa e não perder a novela das 6. Transporte coletivo e você, nada a ver, não é?

Depois de toda essa mão-de-obra - que durou 15 minutos, 5 dos quais na espera para atravessar a rua e voltar ao Terminal -, e depois de enviar o AA006, Colina Verde, para frente por atraso de 6 minutos (e ouvir uma velha reclamar e mandar ela dormir), o fiscal conseguiu voltar à guarita e sentar-se para tentar colocar o relatório em dia. Não durou 5 minutos: às 17:42h, mais ou menos, uma mulher desmaiou dentro do HD237, linha Sta. Cândida/C. Raso, quando este parou na plataforma (lotada) sentido Sta. Cândida. Lá vai o fiscalzinho vierificar a situação: o ser do sexo feminino realmente apagara. Restou ao fiscal gritar: "Sai todo mundo!" e encaminhar o carro até o Posto 24h do Boa Vista. No final das contas, chegando lá, ela estava melhor e simplesmente recusou o atendimento.

Finalmente, foi-se o dia. Hora de aproveitar o feriado? Nah! Antes, deixar o material pronto, com todas as 8 R.O.s, porque descansar 4 dias e voltar quarta é tempo demais para deixar o relatório parado, não? Oh Lord... o fiscal, já plenamente tomado pelo ensandecimento que o trabalho lhe traz, findou o relatório e emitiu os registros, saindo do Terminal apenas às 18:51h para, então voltar para a sua "Colóóónia".


Poema do dia:

Cefaléias

Confusão mental, tudo individual
Do ponto de vista da teimosia
Teimam comigo - frase magistral
Proferida pelo resto de seus dias

Aonde vão os elevados argumentos
A classe e a elegância da lógica
Se, em quase todos os momentos
A discussão se resume à retórica?

Não há progresso onde uma opinião
Tende a dominar todas as demais
Democracia? Liberdade de expressão?
Sempre tem alguém que pode mais

E isso porque os sábios se calam
Ante as falácias e a demagogia
Palavras que, pesadelos, embalam
Fundadas em infames analogias

Se há visões diferentes, porém
Bem fundadas em firmes idéias
Aceite, elas coexistem muito bem
Sem que você ocasione cefaléias

Cristiano Tulio - 13/04/2012

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