quarta-feira, 27 de outubro de 2010

I Love To Hate You

Já há alguns dias que estou para postar algumas toscas divagações sobre o amor.

Cantaria Rita Lee: "ah, o amor"¹! L'amour, em francês; l'amore, em italiano; love, em inglês; amor, em espanhol; liebe, em alemão; iubesc, em romeno...² esse, ao mesmo tempo, tão nobre e tão cruel sentimento que nos põe em brancas e macias nuvens ou em frias e humilhantes poças de lodo; níveis esses que não deixam de se intercalar e de, inclusive, apresentar entre eles outras etapas atmosféricas.

No entanto, bem sabido que, quando correspondido, é uma das melhores coisas do universo. Revela-se na singeleza de gestos; na ternura de olhares; no desabrochar de sorrisos; no mencionar de vocábulos desconexos ou, pelo contrário, muito bem conectados entre si por uma tênue linha imaginária de lógica sentimental; etc., etc., etc..

Assim, por que os seres humanos - ó malditos seres humanos - tendem a complicá-lo? Por que raios os sentimentos e a relação de poder/domínio tem que entrar nesse jogo?

"Feelings, only feelings... just let'em, let'em go..."³. Talvez essa seja a resposta mais comum. Amor seria algo que não admitiria escolher, porém, tão-somente, sentir. Por outro lado, declamam os Pet Shop Boys: "you don't fall in love by chance... you choose"(4).

Outros, mais científicos, declarariam que isso seria paixão, uma reação química que envolve um punhado de susbtâncias e um monte de problemas. O amor requereria coisa diferente: conhecer o outro de fato, revelar idênticas preferências... ou, no mínimo, estabelecer completude entre as inclinações de duas almas que pouco se parecem, mas se unem por algum aspecto comum e enigmático.

Todavia, esse variado colorido, dado pelo giro do prisma que usamos para observar o nosso tema de hoje, não afasta o questionamento lançado alhures. Em termos mais simplórios: para que tornar algo simples tão complexo?

Seria a necessidade de conquista, ou a necedade dos conquistados por tão poderoso exército? Por vezes, o amor salta aos olhos, emana de todos os poros, evidencia-se nas atitudes... mas, em outras tantas ocasiões, dificilmente deixam-se os viventes domar por ele.

Dizem que não era para dar certo, que não era para ser. Eu não sei. Parece-me, ao contrário, que, com as cartas marcadas, não há como perder semelhante jogo.

É o acaso, o velho acaso, você diria. É, pensei nisso. Só que não vejo destino ou desencontro onde há a confluência de sentimentos mas, não, o diálogo de condutas e de oportunidades.


Causos do transporte coletivo:

I

Data: 14/10/10. 16:30h da tarde, mais ou menos, Terminal Cabral. Estava eu concentrado em resolver certa balbúrdia que se havia instaurado na linha do Interbairros II, quando, de repente, o celular toca. Era meu colega de serviço:

- Viu, tava precisando de uma ajuda aqui...
- Pode falar.
- Um passageiro aqui quer saber como é que faz para pegar a linha "quebra os óio"!
- O quê???

O usuário referia-se à linha Cabral/Osório.


II

Dia 21 de outubro, quinta-feira. Estava eu contando ciclistas próximo à estação tubo Fernando de Noronha quando, um pouco enfastiado da lerdeza do projeto e do tempo, entrei a observar um treino de vôlei ministrado na Rua da Cidadania dali próxima. A maioria absoluta de praticantes era de meninas e, enquanto anotava os failers que transitavam em pista proibida, assistia ao evento. Logo, numa série de exercícios de saque e manchete feitos em dupla, uma das meninas gritou para a outra:

- Seja homem, mulher!!!

III

...o que me deixou um pouco confuso. Contudo, nem tanto confuso e surpreso quanto o que se seguiu.
Enquanto o treinamento prosseguia, notei que as meninas começaram a olhar para mim com certa curiosidade. Óbvio: quem não perceberia aquele idiota enconstado na grade, olhando ora para a rua, ora para elas, com uma prancheta na mão, tomando nota de qualquer coisa?

O que eu não cuidava é que elas fossem sanar essa curiosidade:

- Viu, você é o quê? - disse-me uma delas.
- Sou fiscal.
- Fiscal do vôlei???
- Não! Fiscal de ônibus, na verdade.
- Mas o que você tá fazendo aqui?
- Tou contando quantos ciclistas andam pela canaleta.

Desenvolveu-se mais um pouco a conversa, até que chegamos aqui:

- Você é do Brasil?
- Como assim???
- Você não é de outro país, e tal?
- Não, sou brasileiro mesmo. Por quê?
- Não parece! Você parece ser de fora!
- Ah sim, não é a primeira pessoa que me diz isso. Mas sou daqui sim.
- Ah, então tá! Tchau!
- Tchau!

Perdi a chance de dar um autógrafo, eu acho.

IV

Dia 22/10, 17;20h, Terminal Boa Vista. Tudo corria bem naquele final de tarde de sexta-feira, quando o 18A44, linha Vila Esperança, manobrou para estacionar. Logo que ele encostou, o motorista abriu as portas e deixou o motor ligado, dando mostras de que ia sair. O povo acudiu ao chamado, em polvorosa, e um senhor que ia pegá-lo apressou-se em terminar com o cigarro. O condutor do coletivo instigava-o a subir e ameaçou fechar as portas algumas vezes. O passageiro, espavorido ao escutar o aviso de "porta fechando", praticamente tragou o cigarro e embarafustou-se porta adentro. Foi aí que o motorista, vendo-o sentar, desligou o motor e, conversando comigo, saiu do veículo.
Logo, uma senhora disse:

- Lá se foi a nossa alegria!

Pudera, o ônibus tinha chegado 8 minutos adiantado.


Pérolas do transporte coletivo:

Apenas uma. Uma variação, contada por outro colega meu, da conversão do cartão-transporte:

- Licença! Eu queria convencer o meu cartão...


Poema do dia:

Tudo, Menos Indiferente

Ainda que nada temas
Ao teu lado estarei
Rainha de todas as terras
Contigo, serei rei
Dona de todas as gemas
Pérola negra dar-te-ei
Se todo o amor que encerras
Vir a mim, que dele sei

Se, um dia, triste quedares
Tuas lágrimas secarei
Se, um dia, alegre ficares
Teu sorriso pintarei
Em telas belas, vivazes
Com cores das mais brilhantes
Porém, não será nem quase
A luz de teus diamantes

Não sei se, pelo escrito
Serei a luz de teu mundo
Ou se de nada servirei

Porém, aqui eu não minto:
Sendo útil ou inútil
Algo, ao menos, serei

Cristiano Tulio - 24/10/2010


Notas:

¹ Rita Lee - Amor E Sexo
² Parodiando Capitão Nascimento em "Tropa de Elite"
³ The Verve - Judas
(4) Pet Shop Boys - You Choose

domingo, 10 de outubro de 2010

All Eyes On Me

Já diria o mancebo que redigiu a epístola bíblica do Eclesiastes: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade"¹. Pensei, dias atrás, numa versão um pouco diferente: conceitos dos conceitos, tudo é conceito.

Em diversos momentos anteriores, escrevi aqui que certas coisas são oriundas da mais pura crença, ou da mais simples valoração. Afinal, explicações partem de ideias, que partem de premissas ou axiomas. Se alguém começar a, digamos, aprofundar-se na explicação de uma pergunta, perceberá que, em dado instante, a resposta para a pergunta será a própria pergunta, a qual revelará uma concepção elementar tida e crida como verdadeira.

Entretanto, o que é curioso é que essas bases são tão naturalmente interpretadas como verdades que não percebemos que elas o são apenas em nosso universo. A partir daí, padronizamos conceitos e explicações nessas afirmações.

Ocorreu-me, por exemplo, um dia desses, enquanto assistia de passagem a um programa que discutia a possibilidade de vida extraterrestre, que a vida como a consideramos possível é muito difícil de ser encontrada em outros planetas, dada a peculiaridade do funcionamento de um ser vivo. Por outro lado: será que a vida pode apenas existir da forma como a conhecemos, nas condições em que a verificamos? Não seria possível que, num universo paralelo (ou no nosso próprio) a vida não dependesse tanto do Sol, ou que essas situações propícias ao nascimento de um ser tido como vivo fossem diversas?

Tudo piora quando tomamos as abstrações, as quais se originaram do real, e que passaram a simbolizá-lo (ou idealizá-lo). Os números surgiram para definir valores de coisas; as palavras apareceram para possibilitar a comunicação entre seres humanos que desejavam dar significado às coisas; os desenhos passaram a representar a imagem das coisas.

Isso foi necessário para que o ser humano organizasse a sua vida: emprestando sentido às coisas que o cercavam, criou um universo de conceitos e ideias que permitiu a sua sobrevivência, que se deu pelo aprendizado e pela memorização. Em outras palavras, pela História.

Ok, chega. Vamos aos causos.


Causos do transporte coletivo:

I

Terminal Cabral, dia 07/10/10, 16:47h. O veículo BR400, linha Cabral/Portão, chegara momentos antes. Logo, o condutor veio até mim e explanou o seguinte:

- Viu, tô com um problema no carro ali... já tentei de tudo e não consigo prender o cinto de segurança!

Chegando até o ônibus, logo que entrei pela porta da frente, logo vi: onde deveria estar a trava que segura o pino do cinto, estava um buraco. Não havia como prender o cinto! Mandei tocar o barco, mas ferrei com a empresa... dane-se.

II

Mesmo Terminal, dia 08/10, às 15:22h. Tinha iniciado meu horário de lanche e, como de praxe, deixei o meu colega ir lanchar também enquanto continuava a fazer a conversão dos cartões de usuário para o novo sistema. Logo, chegou uma senhora e me entregou o seu para que assim o fizesse. Enquanto a maquininha realizava o procedimento, fui explicando-lhe como carregaria o cartão de agora em diante:

- Sabe aqueles carregadores? Esqueça; nunca mais vai precisar usar. Agora, quando o cartão tiver créditos disponíveis, vai carregar quando você encostá-lo em qualquer validador... ônibus, bilheteria, qualquer um. Só cuide para carregá-lo quando precisar, caso contrário ele poderá gastar uma passagem.

Ao que eu ouvi:

- Mas essa Urbs só complica com a nossa vida, como é que pode! Em fez de facilitar pra gente ficam inventando essas coisas, é só pra ferrar tudo mesmo!

Positivamente, é impossível agradar a gregos e troianos.

III

Mesmo Terminal, lá pelas 16:30h da tarde do dia 08/10, sexta-feira. Estávamos eu e meu colega conversando e trabalhando quando vimos o vigilante da Metropolitana correr até o banheiro feminino e retirar de lá uma piazada, idades entre 10 e 15 anos, suponho. Logo que saíram, perguntei ao guarda o que tinha acontecido.

- Não, eles foram tomar água no banheiro, vê se ali é lugar de tomar água!

Depois dizem que eles ainda não têm consciência do que fazem... ahan!


Pérolas cotidianas (dessas eu não lembro a data: são frases ou fatos inusitados que observei ou ouvi ao longo dos dias):

1

Eu: - Pois é, essa onda de violência anda complicada hein...
Porteiro: - É mesmo! Daqui um tempo a Urbs vai ter que fazer um coletinho balístico pra vocês usarem!

2

Falávamos de um colega que tinha aprontado alguma coisa errada no serviço, ou algo semelhante.
Aí o porteiro veio com essa: - É, desse jeito ele vai ganhar o Oscar da Urbs!

3

Conversávamos meu colega, o porteiro e eu sobre o salutar hábito que possuem os curitibocas de cerrar as janelas dos ônibus quando está frio. Aí falou o porteiro:

- Pois então, aí esse pessoal fica andando nos ônibus sem janela e reclamam depois...

Olhei pro meu colega e disse: - Sem janela.

Rimos pelo resto da tarde com isso.

4

Enquanto eu trabalhava com a alteração do sistema dos cartões, uma mulher na fila para seu filho:

- Calma que a gente vai ter que fazer a conversação do cartão!

5

Durante essa última semana, ficamos sem supervisor. Assim, juntávamos os relatórios e um de nós ia levá-los ao supervisor onde ele estivesse. Na quarta-feira, já reunidos os papéis, estranhávamos a demora da colega que ia levá-los... e o supervisor enchendo o nosso saco para que apressássemos com aquilo. Logo, ligamos para a menina:

- Daí, colega, tudo bem? Viu, onde é que você tá? Aaaaaaaaah, é mesmo, você tá de folga!!! Desculpe ligar aí viu, é que o supervisor tava atrás de você. Até mais!

Logo, meu colega ligou pro supervisor e deu conta do ocorrido. Ao final, este disse:

- Ah, ela tá de folga? Então vem você mesmo!!!!

Passou o resto da semana fazendo esse serviço.

6

Um dos nossos colegas enviou um registro de ocorrência por um dos motoristas da linha Guaraituba/Cabral. Logo, abri o envelope, li o R.O. e guardei-o. Quando o outro colega, que ia levá-la para o supervisor, chegou, dei-lhe o envelope:

- Aí está a R.O.. Mas abra o envelope e dê uma olhada.

Ele abriu e olhou o papel, e disse:

- O que tem?
- Não está faltando nada não?
- Como assim?
- Que número é o carro? Que tabela que é? E a que horas foi? Afinal, o que aconteceu????


Poema do dia:

It's The Danger

Flashes in my head
Make me wanna dance
See a world ahead
Any second chance

Lightning in my soul
Shocks me 'til the nerve
Put me right below
Any kind of verve

Need to move, but both my feet
Are planted deep in the air
A light grenade between my teeth
To be free from it, just a spit
But it's the danger - I don't care

Bullets to my body
Hit the rotten flesh
Wounds will speak loudly
Than if it were fresh

Cristiano Tulio - 05/10/2010


¹ Bíblia, livro do Eclesiastes, cap. 1, versículo 2.